Amsterdã é considerada uma cidade referência no que diz respeito a mobilidade urbana, especialmente pela grande quantidade de pessoas que utilizam a bicicleta como meio de transporte. Mas qual o segredo para a capital holandesa ter alcançado esse status? Com base nas experiências vividas pelos holandeses, podemos levantar três pontos que transformaram a cidade e podem ensinar outras cidades:
1 – Construção de ciclovias (seguras):
Muitas vezes somos descrentes em relação a quantidade de pessoas dispostas a utilizarem bicicletas regularmente, mas geralmente elas só precisam de um incentivo básico: ter um espaço apropriado para esse uso. Estudos estimam que quando uma rua é projetada para ser segura para a prática do ciclismo, entre 60% e 80% das pessoas realmente utilizam a bicicleta.
O resultado de Amsterdã não foi construído do dia para a noite, são mais de 40 anos projetando e construindo ciclovias em toda a cidade. O resultado é que cerca de 80% da população da cidade possui bicicleta, além de 60% utilizar todos os dias. Enquanto isso apenas 25% dos habitantes possuem carro; para efeito de comparação, em Los Angeles nos EUA se estima que 90% das pessoas possuam e utilizam frequentemente um carro.
A questão da segurança também é importante, alguém pode argumentar que é comum vermos em nossas cidades algumas ciclovias quase que abandonadas com pouco movimento de bicicletas, mas posso atestar que muito provavelmente essas ciclovias não são grandes exemplos de segurança. Geralmente vemos elas sem nenhum tipo de separação, obrigando bicicletas a dividirem espaço com carros andando em velocidades altíssimas em uma disputa desigual. É natural que ninguém queira utilizar um espaço assim onde sua integridade física esteja em risco.
2 – Obrigar carros a andarem em baixas velocidades:
Os holandeses descobriram que um ponto chave para fazer com que a maioria das pessoas andem de bicicleta é promover ruas com trânsito lento para carros. Essas ruas são chamadas de “Woonerf”, lugares feitos para convívio de pessoas onde os carros são apenas convidados, não o agente principal. Nela não existem diferenças de níveis ou sinalização para carros, eles simplesmente são quase que constrangidos a diminuírem suas velocidades por conta do domínio de pessoas e bicicletas no espaço. De toda forma o limite de velocidade na Woonerf costuma ser de aproximadamente 15 km/h.
Mesmo em ruas “normais” que não sejam Woonerfs, as ciclovias são separadas com meio-fio e canteiros, e o mais importante: os cruzamentos são projetados para diminuir a velocidade dos carros, com muita sinalização, sinais de parada e curvas bem fechadas para obrigar a desaceleração dos veículos. Os muitos anos de experiência permitem os planejadores a identificarem os pontos onde estão acontecendo mais acidentes para sofrerem intervenções e serem corrigidos.
Em colisões entre carros e pedestres/ciclistas se estima que se o carro estiver a cerca de 15 km/h todos os envolvidos sobrevivem; se o carro estiver perto de 32 km/h, 90% das pessoas conseguem sobreviver; se o carro estiver perto dos 48 km/h o número cai para 50% de sobrevivência; já se o carro estiver na velocidade dos 64 km/h a chance de sobrevivência vai para apenas 10%.
3 – Transformar estacionamentos e espaços para carros em espaços para pessoas:
Para melhorar o espaço urbano muitas vezes não é preciso intervenções complexas ou grandes mudanças na infraestrutura, algumas simples mudanças com vasos de plantas ou pinturas no chão (como aqui), podem ser o suficiente para gerar mais espaços de convívio entre pessoas. O período crítico da COVID nos mostrou bem isso, onde cidades do mundo inteiro transformaram estacionamentos e espaços para carros em locais para bares, restaurantes e circulação de pessoas. Até mesmo na já citada Los Angeles, cidade dominada por carros, vimos essas intervenções terem sucesso.
Em resumo, Amsterdã entendeu que uma cidade boa para se caminhar e pedalar é aquela onde você e seus filhos podem circular sem se preocupar com o risco de sofrer um acidente com 90% de chance de morte.