Como a arquitetura modernista influenciou a invasão de Brasília

No último dia 8 de janeiro o país e o mundo viram assustados a invasão de fanáticos ao Palácio Presidencial, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal na cidade de Brasília. Os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro vandalizaram os prédios ao mesmo tempo que pediam intervenção do exército e protestavam contra o resultado das últimas eleições.

As cenas de destruição aos prédios símbolos da arquitetura modernista brasileira chocaram a todos, especialmente aqueles envolvidos com a preservação da arquitetura nacional.

Além da depredação e dos danos na estrutura física, vimos importantes obras de arte e móveis sendo completamente destruídos.

O interessante de se perceber é como o desenho de Brasília e o estilo arquitetônico modernista influenciaram na própria forma como ocorreu a invasão. A capital federal foi projetada pelos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer como uma representação da utopia modernista, separando a cidade em setores, e imaginando as chamadas superquadras como um ideal onde todas as diferenças sociais seriam neutralizadas. Os extensos espaços abertos como os vãos livres das superquadras e o próprio longo gramado em frente aos prédios vandalizados foram projetados com a intenção de equiparar todos os habitantes da cidade segundo o ideal de Niemeyer. Gramado este que ao longo dos anos virou praticamente o local oficial para as manifestações políticas, independente de lado político ou natureza do protesto.

Essa particularidade de Brasília oferece uma diferença grande em relação a outras cidades, justamente por ter os prédios praticamente isolados do restante da cidade, diferente das edificações de qualquer um dos três poderes presentes em “cidades comuns”, onde qualquer tipo de manifestação acaba gerando um efeito muito mais direto no restante da cidade, afetando de maneira clara o trânsito, a circulação e o impacto em relação ao meio inserido.

Além da questão geográfica, a arquitetura modernista de Brasília também influenciou diretamente a maneira que a invasão ocorreu. A imagem dos invasores subindo a rampa do congresso chegando até a cobertura da edificação foi uma das marcantes do ocorrido, assim como nas manifestações que ocorreram em 2013. A sensação é de que a rampa de acesso quase que convida as pessoas a percorrerem esse caminho, demonstrando a intenção de Niemeyer em promover essa interação entre os cidadãos e o ambiente construído. No caso de 2023, houve depredação do vidro, componente principal da fachada ao lado do concreto bruto. Alguns analisam que a facilidade em quebrar os vidros, assim como o pouco esforço feito para entrar nos prédios pode ter saciado mais rapidamente o ímpeto violento dos invasores, diminuindo a possibilidade de alvos humanos serem atingidos, ainda que os prédios estivessem vazios.

A comparação com a invasão dos manifestantes golpistas ao capitólio americano em 2021 é inevitável, até mesmo por ter sido inspiração para esse ato golpista ocorrido em Brasília, porém os aspectos que acabaram de serem citados mostram a diferença entre os dois atos. Em Washington o caminho até a invasão foi muito mais curto e rápido para ser percorrido, bem diferente da imensidão do gramado de Brasília, que de tão grande chega a amenizar um pouco a energia do grupo. A arquitetura do Capitólio também não foi projetada com os mesmos intuitos de interação pensados por Niemeyer, o que se via eram os elementos neoclássicos do prédio sendo escalados com dificuldade pelos invasores enfurecidos, o que certamente contribuiu para o caos. As dimensões dos lugares também tiveram diferentes efeitos, a grande escala característica do modernismo e presente em Brasília dava a impressão de espalhamento da multidão, algo que não aconteceu em Washington, onde as imagens chamaram atenção pela grande quantidade de pessoas amontoadas no local, dificultando muito a ação das forças de segurança.

Foto: Michael Judkins

Muitas das críticas a arquitetura modernista e seu modelo de cidade são justas. As próprias intenções utópicas de Niemeyer e Lucio Costa comprovadamente não tiveram êxito em muitas delas, mas analisando e comparando com o incidente nos EUA de natureza política semelhante, podemos dizer que a arquitetura de Brasília com todos os seus defeitos pode ter evitado o pior.

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