Vale a pena substituir vagas de carros por ciclovias?

O trânsito caótico com cada vez mais carros e tempos enormes de deslocamento é algo que nenhuma das grandes cidades do mundo aguenta mais. A busca por um modelo mais sustentável e fluído tem passado pelo incentivo ao uso de bicicletas em detrimento dos automóveis. Esse processo na mudança da forma de se deslocar passa pela construção de mais ciclovias, mesmo que isso signifique alterações radicais na infraestrutura urbana, como é o caso da retirada de vagas de estacionamento em alguns casos.

Em muitas vias o espaço para passagem de carros, vagas de estacionamento e implementação de ciclovia não é suficiente, exigindo que um desses seja sacrificado. O mais fácil e comum de acontecer é a desistência do espaço para as bicicletas, mas na busca por uma mudança de mentalidade estamos presenciando em algumas cidades a escolha pela retirada de vagas de estacionamento para carros.

Não é difícil imaginar que medidas como essa geram forte repercussão entre a população, naturalmente muito por conta do enfrentamento ao “reinado dos carros”, que sempre irá causar incômodo. Porém em muitos casos é preciso reconhecer que se dá também por motivos justos, especialmente aqueles relacionadas a vida dos empreendimentos comerciais ao redor e seu sucesso financeiro.

A grande reclamação dos comerciantes é sobre a retirada das vagas de estacionamento para carros gerar uma dificuldade de acesso dos clientes e uma consequente diminuição no movimento das lojas. Essa reivindicação é unânime em quase todos os casos em que ocorreram essa mudança. Entretanto temos registros de números que contestam essa ideia. Em 2018, Queens, em Nova Iorque, anunciou a implementação de ciclovias no lugar de 116 vagas de estacionamento em uma avenida chamada Skillman. Óbvio que logo os comerciantes locais se revoltaram, chegando a organizar protestos e enviando cartas para a prefeitura. Recentemente um repórter do StreetsBlog chamado Jesse Coburn, resolveu ir ao Departamento de Finanças do município para reunir dados financeiros daquelas lojas afetadas pela mudança. Para a surpresa de muitos, os números mostraram que após as ciclovias as vendas aumentaram 12%, muito mais do que os 3% do Queens em geral, sem falar da abertura de novos comércios no trecho.

O mais incrível disso tudo é que os comerciantes do local não acreditaram quando Coburn mostrou para eles esses números. Apenas alguns reconheceram o benefício das ciclovias.

Essa situação do Queens, lá nos Estados Unidos, provavelmente não é tão diferente do que ocorre aqui no Brasil e em outros lugares do mundo. A ideia de a cidade e o comércio necessitar privilegiar os carros para funcionar bem é difícil de ser desconstruída, mesmo que os números digam o contrário.

Outros números reunidos por Clive Thompson, do site wired.com, também vão no mesmo caminho do caso anterior: uma pesquisa de 2013 do Departamento de Transportes de Nova Iorque analisou sete trechos de estradas que instalaram ciclovias ou criaram áreas para pedestres. Em cinco delas tivemos um crescimento mais rápido de empresas comparadas com o restante do bairro. Uma outra pesquisa feita em 23 cidades dos EUA chegou à conclusão de que a implementação de áreas para bicicletas e pedestres não prejudicou as lojas e os negócios locais.

O incentivo as bicicletas em áreas mais densas muito provavelmente terão sucesso, fazendo com que o número de ciclistas cresça de maneira significativa. As pessoas provavelmente vão perceber que não faz sentido enfrentar o caótico trânsito de carros no lugar de percorrer o mesmo caminho com muita mais rapidez através de uma bicicleta, sem falar no ganho da qualidade de vida e a sensação agradável de percorrer essas ruas pensadas para pessoas e não carros. Essa junção de motivos deve levar a um maior movimento das lojas, pois as vezes parecemos esquecer que ciclistas e pedestres também são consumidores.

Fazendo o contraponto de tudo isso que foi falado, alguns podem argumentar que conhecem casos em que a retirada dos estacionamentos foi ruim para o comércio. Elas podem ter razão.

Thompson também conheceu o caso de um salão de beleza em Cambridge, Massachusetts, onde as proprietárias relataram uma redução de 40% no faturamento após a troca dos estacionamentos pela ciclovia. Por estar localizada em uma região pouco densa e afastada, a grande maioria dos clientes utilizavam apenas carros como meio de transporte, sendo muitos morando em outras cidades próximas. O próprio inverno rigoroso e cheio de neve é um obstáculo para os ciclistas nessa época do ano.

Essa situação nos alerta para o fato de que nem todas as situações são iguais, e por isso devemos analisar todos os contextos, mas sem esquecer de constatar que estatisticamente esse caso do salão é uma exceção.

A verdade é que o grande obstáculo de toda essa situação é a mentalidade a ser mudada. Existe o aspecto de pessoas que moram na cidade desde muito ou tempo (ou desde de sempre) e apresentam uma maior resistência em mudanças na cidade onde sempre viveram. Até mesmo o aspecto da negatividade tem sua influência, afinal os protestos contrários com certeza são muito mais barulhentos do que as opiniões positivas dos ciclistas felizes com as mudanças.

A nossa tarefa é tentar mudar esse pensamento, ainda que não seja simples confrontar esse pensamento “carrista” construído por tantos anos.

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