Por que é errado chamar o que aconteceu no litoral paulista de tragédia

O Brasil se chocou ao acompanhar os tristes acontecimentos no litoral paulista, as fortes chuvas que geraram deslizamentos deixaram uma grande quantidade de mortos (65 até o momento) e famílias sem ter onde morar.

Um erro que vem sendo cometido em relação a esse caso é o tratamento de “tragédia” que vem sem atribuído. Ao pesquisarmos o termo no dicionário vemos os seguintes significados: “Desgraça, catástrofe, acidente”. O grande problema dessa expressão vem justamente daí, tratar o que aconteceu como acidente ou como algo totalmente fora da excepcionalidade é um erro e esconde muitas questões importantes a serem discutidas.

A primeira dessas questões e que parecer ser a mais óbvia diz respeito aos locais de risco onde as moradias atingidas estão (ou estavam) localizadas. A ocupação em morros e encostas oferece um risco de vida para os moradores, muito devido a fatores levados por uma urbanização sem qualquer controle que foi ocorrendo durante todos esses anos. O mal uso do solo com impermeabilizações, destruição ambiental com recortes de morros e derrubada de áreas verdes tornaram ainda mais perigosa a ocupação nesses locais. Com esse cenário, quando a chuva vem com força tudo que está pela frente vai junto.

Todos parecem concordar que as ocupações nesses locais não deveriam acontecer, mas será que é tudo simples assim? As pessoas que vão morar nesses lugares possuem baixa renda e são vítimas de um processo de exclusão do ambiente urbano. Importante ressaltar que a ocupação em lugares de risco nem sempre é feita pela população pobre, certamente você já deve ter visto na internet mansões luxuosas belíssimas em encostas ou no meio de áreas ambientais. A grande diferença se dá na maneira que isso é feito, as mansões passam por inúmeros tratamentos no solo e processos construtivos que buscam dar segurança para a edificação, sem risco de deslizamentos, bem diferente da situação das casas da população de baixa renda, onde muitas vezes nem o mínimo é feito.

Diferente dos ricos, essas pessoas também não costumam parar nessas áreas de risco por questão de escolha, o nosso processo de urbanização e inclusão social é tão mal feito que as opções de ocupação em terrenos regulares dentro da cidade se tornam caros demais. A única opção passa a ser construir em morros, encostas ou regiões muito afastadas e com pouca (ou nenhuma) infraestrutura.

Na prevenção de novos acontecimentos como esses é importante desenvolvermos alertas mais eficazes avisando sobre as tempestades, assim como medidas relacionadas a uma previsão meteorológica mais precisa sobre as chuvas. Entretanto, todas essas ações deveriam ser apenas complementares e não o principal foco. O nosso grande problema passa por reconhecermos os erros nesse processo de urbanização brasileira, garantindo uma resposta que deve passar pela construção de cidades mais preocupadas com o meio-ambiente e com a não destruição da natureza, mas também sem fugir da responsabilidade de uma discussão sobre inclusão dos segregados no ambiente urbano, dando atenção para uma política habitacional eficiente voltada para moradias de interesse social. Cabe a nós cobrarmos o poder público e contribuirmos para uma discussão centrada nos motivos corretos.

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