A chamada Escala Humana é um termo que vem sendo utilizado com frequência nos últimos tempos dentro do planejamento urbano, mas nem sempre foi assim. Por muitos anos as ideologias dominantes no urbanismo deram prioridade para as largas escalas visando acomodar a crescente utilização de veículos. Somado a isso, vemos um uso cada vez maior de edifícios voltados para a vida privada e menor circulação nos espaços públicos.
Jane Jacobs foi provavelmente o primeiro grande nome a criticar esse modelo com o livro “Morte e Vida das Grandes Cidades” lançado em 1961. O modelo urbanístico modernista voltado para o aumento do tráfego de veículos e separação de usos dentro da cidade foi apontado por Jacobs como a razão para o fim da vida urbana e a morte das cidades.
Graças a essa crítica, nas décadas seguintes vimos muitos teóricos do planejamento urbano contribuindo com um novo conhecimento, valorizando o uso misto das edificações e espaços para pedestres.
Sempre que a população se sente convidada para ocupar os espaços públicos e caminhar nas ruas, a cidade ganha em movimento, segurança e qualidade de vida para as pessoas. Mas para isso, elas precisam ter uma boa estrutura que permita curtas distâncias a serem feitas a pé, além de espaços públicos atrativos.
O urbanista Jan Gehl defende que primeiro devemos moldar as cidades, ao invés do contrário. No século XX com o crescimento na utilização de veículos individuais, o que vimos foi uma adaptação das cidades para cada vez mais carros, com alargamento e construção de novas estradas, além do aumento de vagas para estacionamento. O resultado foi cada vez mais congestionamentos e cada vez menos espaços para caminhar e pedalar.
O ponto de partida para projetar e planejar as cidades deveria ser as dimensões humanas e a sua mobilidade. Considerando os sentidos humanos, se considera que entre 0 e 7 metros todos eles podem ser usados, com todos os detalhes sendo percebidos. Até 25 metros podemos começar a identificar expressões faciais, e até 100 metros podemos ver as pessoas em movimento. Essas duas últimas distâncias são fundamentais para o planejamento urbano. Citando exemplos, nos estádios de futebol, 100 metros costuma ser o limite máximo entre a plateia e o campo, mesmo em grandes estádios como o Camp Nou em Barcelona, que possui capacidade para quase 100 mil pessoas. Já em teatros e salas de ópera, a referência costuma ser de até 25 metros para o espectador poder identificar a linguagem corporal e as expressões faciais dos artistas no palco.
A percepção humana de visão também deve ser considerada. Temos uma facilidade maior de identificar o que está abaixo nós, mas não do que está muito acima. Os andares mais altos de edifícios só podem ser vistos por longas distâncias, e nunca por perto. Segundo estudo, a conexão entre o que acontece nas ruas e edifícios altos se perde depois do quinto andar. Outro ponto importante é a velocidade: quando andamos na nossa velocidade natural de 4 ou 5 km/h podemos perceber tudo que acontece na nossa frente e ao nosso redor. Ao correr a 10-12km/h ainda é possível ter um nível aceitável de percepção considerando que a estrada seja plana e as informações ao redor não sejam tão complexas. Para velocidades de 50, 80 ou 100 km/h detalhes e experiências sensoriais desaparecem. A arquitetura de 5km/h se baseia em espaços pequenos, edifícios próximos e riquezas de detalhes a serem percebidos. Já a arquitetura de 60km/h precisa de amplos espaços e vias maiores, com detalhes ampliados e simplificados.
Para recuperamos as cidades voltadas para pessoas, precisamos retornar para o estudo das escalas humanas, algo que foi perdido nos últimos anos devido ao surgimento dos automóveis. Veículos necessitam de espaços muito mais largos do que os humanos, essa realidade acaba confundindo nossa percepção de escala na hora de projetar cidades. Nosso desafio é voltar a construir cidades voltadas para os olhos humanos.