Você provavelmente já ouviu falar no termo “Direito à Cidade”, especialmente se tiver algum interesse no tema do urbanismo. Mesmo que não saiba exatamente o seu significado, sua explicação mais básica não parece tão difícil de supor: “O direito à cidade” geralmente está se referindo a possibilidade de mais pessoas terem acesso a infraestrutura da cidade e aos equipamentos urbanos, ou seja, todos devem ter o direito e a oportunidade de utilizarem praças, campos, parques ou qualquer outro local dentro da cidade.
Quando se fala que todos devem ter direito à cidade, a crítica que se costuma fazer está ligada a segregação social e territorial, quando pessoas moram em bairros mais afastados e segregados dos locais mais centrais e de maior procura dentro da cidade. Combinados com essa distância, acaba contribuindo para essa segregação fatores como um transporte coletivo ruim, caro e demorado, além de questões relacionadas com a discriminação feita pela população mais elitizada e com maiores recursos financeiros. Nesse caso o fundamental seria garantir que essas pessoas possam ter acesso a qualquer local da cidade.
Esse termo “direito à cidade”, se popularizou após o livro com esse mesmo nome escrito pelo filósofo francês Henri Lefebvre no ano de 1968. A partir daí entramos numa visão mais aprofundada sobre o tema que muitos provavelmente ainda não conhecem: Lefebvre certamente também enxerga essas questões de segregação social como um problema, mas vai bem além disso. Ele primeiro traça uma linha histórica sobre as cidades, chegando à conclusão de que a partir da revolução industrial as cidades, que para ele eram “cidades tradicionais”, passam a serem destruídas, gerando uma crise urbana e modificando totalmente as dinâmicas e o funcionamento das cidades como conhecíamos antes.
Muito influenciado pelo pensamento marxista, especialmente a visão de trabalho presente em “O Capital”, Lefebvre elege o capitalismo e por consequência a revolução industrial, como os grandes responsáveis por essa chamada crise urbana. O contexto dessa publicação também é importante para se entender um pouco o pensamento de Lefebvre, afinal de contas era um momento em que uma geração de jovens se rebelava contra o sistema vigente com críticas à guerra Fria, à guerra do Vietnã, ao conservadorismo e ao patriarcado, com foco nas lutas pela liberdade e pelos direitos civis.
Lefebvre considerava a vida na cidade naquele momento como opressora e sem um real sentido, com as relações sociais e de trabalho totalmente destruídas. Por esse motivo podemos compreender que sua visão de “direito à cidade” dizia muito mais sobre o modelo de funcionamento da sociedade do que apenas uma questão de infraestrutura e acesso físico à cidade; seu pensamento era de que as cidades deveriam voltar ao modelo anterior à revolução industrial, com um funcionamento não capitalista.
Esse ideal influenciou vários outros pensadores, como o britânico David Harvey autor do conhecido livro Cidades Rebeldes, e até de importantes autores brasileiros como Milton Santos e Ermínia Maricato. Todos contestando as desigualdades estruturais presentes no modelo de produção capitalista urbano, e reivindicando uma ampliação de direitos para os trabalhadores e habitantes das cidades.
“O Direito à Cidade”, então, possui essas duas linhas que apesar de serem complementares e não excludentes, apresentam ideias de profundidades diferentes, tornando importante essa distinção entre a ideia mais popular do termo, e a crítica mais completa feita por Lefebvre.