O planejador urbano Jeff Speck é conhecido principalmente por ter escrito o livro “Cidade Caminhável“, publicado em 2013 nos Estados Unidos e em 2016 na edição traduzida para o português brasileiro pela editora Perspectiva. O título se tornou um dos mais populares entre o tema do planejamento urbano, especialmente nos EUA.
Um termo utilizado por Speck no livro é o “stroads”, traduzindo grosseiramente para o português seria algo como “ruaestradas”. O que seria isso? Como a própria tradução já indica, seria a mistura de ruas com estradas, ou seja, ruas feitas para passagem de pedestres, geralmente com comércio ao redor, mas que acabaram ganhando aspectos de estradas, permitindo o trânsito de carros em altas velocidades. Speck argumenta que o contrário também pode acontecer, e defende que as estradas devem estar livres de comércios que acabam deixando as pessoas vulneráveis aos perigos das vias rápidas. Importante frisar que Jeff Speck credita a origem do termo para Chuck Marohn, um ex-engenheiro de rodovias, autor de um livro chamado “Confessions of a Recovering Engineer: Transportation for a Strong Town”, – que não possui publicação em português, mas pode ser traduzido como “Confissões de um engenheiro em recuperação: transporte para uma cidade forte”.
Durante boa parte do livro, Speck desenvolve suas ideias com base em muitas das falas de Marohn. Eles argumentam que existem dois tipos de “ruaestradas”, o primeiro são ruas locais que foram “mal-interpretadas” como rodovias, pois são vias dentro de cidades, geralmente com forte vocação comercial, mas que em determinado momento acabaram sendo alargadas para a maior circulação de automóveis, algo típico do século XX e sua predominância por carros. O segundo tipo são verdadeiras rodovias, desenhadas prioritariamente para o tráfego em alta velocidade, mas que acabaram afetadas por comércios próprios de cidades.
Os autores continuam, e alegam que o primeiro tipo pode ser encontrado em praticamente toda grande cidade americana. A boa notícia é que elas ainda podem ter a esperança de recuperação se houver boa vontade do poder público e de seus planejadores urbanos.
Um dos casos mais famosos de recuperação é a Lancaster Boulevard em Lancaster, Califórnia, uma rodovia que antes possuía cinco faixas para carros com lojas ao redor que passavam por dificuldades financeiras, mas acabou transformada em uma praça linear pelos arquitetos Polyzoides e Liz Moule em 2010 (recomendo dar uma busca no Google Imagens para ver o antes e depois).
Essa transformação acabou custando mais de 11 milhões de doláres ao caixa da administração pública, mas os resultados impressionam: os acidentes caíram em 49%, 57 novos pontos comerciais foram criados, mais de 800 novas casas construídas e 2000 novos empregos criados, totalizando um impacto econômico de mais de 282 milhões de dólares.
A tarefa de convencer as cidades a tirarem o aspecto de estradas das ruas não parece tão simples, especialmente em uma sociedade acostumada a privilegiar carros e altas velocidades. De toda forma, a realidade é que se queremos transformar nossas ruas em lugares mais seguros e benéficos para a maioria da população, esse é um preço a ser pago. Recomendo a leitura de outros dois posts recentes do site, que falam sobre as Cidades Visão Zero, e sobre o erro de tentar fazer ruas que agradem a todos. Jeff Speck e Chuck Marohn focam especialmente na realidade dos EUA, mas podemos aplicar para nós muitos dos alertas escritos, especialmente o de que precisamos mudar a mentalidade do século XX de planejamento das cidades, especialmente aquelas que produziram as “ruasestradas”, responsáveis por muitas das mortes que temos hoje em nossas vias.