As cidades estão o tempo todo se transformando, mesmo que muitas vezes nem percebamos, o ambiente urbano é dinâmico da mesma forma que as atividades humanas. Entretanto nem sempre algumas dessas mudanças acontecem de maneira simples.
Quando algum tipo de privilégio ou interesse é posto em risco, a parte beneficiada logo busca intervir, mesmo que a ação proposta tenha a intenção de ir na direção de um bem maior.
Para ilustrar melhor podemos citar algumas situações. Uma delas é a da construção de um grande empreendimento habitacional e comercial perto de uma estação de trem na cidade de Baltimore, nos Estados Unidos. Em 1992 a estação do trem leve de Lutherville foi construída na cidade, no mesmo ano o estádio de beisebol Oriole Park também foi inaugurado, tornando a ideia do trem algo muito promissor, afinal os torcedores poderiam se locomover para o estádio sem depender exclusivamente de carros e sem ter que passar por um trânsito terrível.
A parte esportiva foi um sucesso, o estádio é uma referência nacional, mas a do metrô de superfície não teve o mesmo resultado e ficou distante de funcionar como o esperado. Os trens gigantes circulam com pouco movimento mesmo em dias de jogos e o desenvolvimento em torno das estações nem de longe teve o resultado prometido.
Para entender por que esse projeto fracassou alguns especialistas locais nos mostram alguns caminhos: a ideia projetada já começou difícil devido a recusa de um bairro de alta renda em abrigar uma das estações. O shopping construído nas imediações também não teve sucesso e atualmente se encontra quase abandonado, da mesma forma que residências unifamiliares próximas também parecem isoladas. Na tentativa de aproveitar toda essa área fracassada, um incorporador local comprou esse shopping fracassado e propôs um projeto de uso misto do terreno com a construção de apartamentos, lojas, escritórios e áreas verdes, tudo isso bem ao lado da estação de metrô de superfície. A ideia parece ótima, com pessoas morando e trabalhando naquela região certamente essa linha de trens teria o movimento imaginado, além de oferecer vários benefícios que zonas adensadas trazem para as cidades.
Tudo lindo no papel, mas a partir daí podemos ver mais claramente os motivos que passaram a emperrar o projeto: o primeiro deles é o atual zoneamento do local que não permite o uso residencial. O outro é a resistência de moradores de bairros próximos, que buscam de toda forma barrar a construção, desde sua inauguração em 1992 até os dias de hoje. Eles alegam que esses bairros irão se “descaracterizar”, afinal muitos novos moradores irão chegar, o trânsito irá aumentar e a criminalidade certamente irá tirar a paz dos moradores “tradicionais”.
Esse pensamento não é exclusivo dos americanos, na cidade de São Paulo também nos deparamos com situações semelhantes. O bairro de Morumbi é conhecido por ser tradicionalmente uma área nobre da cidade, com muitos casarões e mansões ocupando terrenos enormes. Por se tratar de um modelo de bairro considerado ultrapassado por muitos e uma zona potencialmente interessante do ponto comercial e financeiro, algumas mudanças naturalmente foram propostas em anos recentes, como a construção de empreendimentos comerciais e unidades habitacionais mais verticalizadas, com a possibilidade de abrigar mais pessoas. Assim como em Baltimore, os moradores têm sido contrários a essas mudanças apresentando os mesmos argumentos relacionados a trânsito, criminalidade e a tal descaracterização do bairro.
Um outro exemplo presente na maior cidade do país é a do bairro de Pinheiros, também considerado de alta renda, mas já com uma verticalização bem presente (ainda que questionável na maneira como tem sido feita), e com o protesto de moradores que lutam contra as mudanças que vêm acontecendo no bairro.
O medo apresentado pelas populações tanto de Baltimore, quanto de São Paulo, são contestáveis quando analisamos os frágeis argumentos de descaracterização do bairro, especialmente frente a situações em que a cidade de maneira geral seria beneficiada. No caso de Baltimore isso parece ainda mais visível, pois traria claros benefícios imediatos em relação ao fortalecimento do transporte público, ao movimento da economia e a criação de novas unidades habitacionais. Situação não muito diferente de São Paulo, a principal metrópole da América do Sul, mas que incrivelmente ainda parece sofrer com pensamentos elitistas e atrasados que emperram o desenvolvimento da cidade.